REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES:
COMBINAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DAS MODALIDADES JÁ EXISTENTES COM CRITÉRIOS DE
JULGAMENTO
Aniello dos Reis Parziale
- OAB/SP nº 259.960. Advogado, Bacharel pela Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro do Consultoria Jurídica da Editora
NDJ desde 2007.
É mestrando em Direito
Econômico e Político pelo Programa de Pós-graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
14/4/2014
O polêmico Regime Diferenciado de
Contratações (RDC), instituído pela Lei Federal nº 12.462/2011, surge,
aparentemente, como alternativa para amparar a Administração Pública brasileira
na contratação dos objetos arrolados em seu art. 1º, haja vista a pouca agilidade
observada hoje na desgastada Lei Federal nº 8.666/1993.
Com a finalidade de mudar o panorama
atual das contratações governamentais, caracterizado como moroso e ineficiente,
a referida norma legal estabelece um procedimento próprio e específico, distinto,
portanto, dos demais existentes nas Leis Federais nºs 8.666/1993 ou 10.520/2002, que, de modo autônomo, conviverá
com as demais modalidades licitatórias.
Acerca dos contornos jurídicos deste
RDC, nos parece que o legislador acabou por combinar os diversos expedientes
consagrados na legislação licitatória existente, cuja aplicabilidade prática
torna mais célere o processamento da licitação, prestigia a economicidade, a
eficiência administrativa, amplia a competitividade no certame, por exemplo.
Exemplificando nossa asserção, no
âmbito do RDC, segundo o que já estabelece o art. 4º, § 1º, do Dec. Federal nº
5.450/2005, que regula-menta o pregão eletrônico no âmbito da União, determina
o art. 13 da Lei Federal nº 12.462/2011 que as licitações deverão ser realizadas
preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a presencial.
Destaca-se, outrossim, consoante
estabelece o art. 12 da norma legal em estudo, que durante o processamento da
licitação por meio do RDC, como regra, ocorrerá primeiramente o julgamento
das propostas comerciais ou a realização da fase de lances para, posteriormente,
ser observado o atendimento das condições de habilitação dos interessados.
Assim, em detrimento do regime constante da Lei de Licitações – que, de início,
se aferem as condições habilitatórias dos proponentes para então julgar as
propostas comerciais –, verifica-se que a regra no RDC passa a ser o rito de
processamento consagrado no pregão, ou seja, a realização da habilitação
pós-julgamento, dada a efetiva celeridade na condução do processo licitatório.
Outro dispositivo legal que merece o
devido relevo é o art. 14, inc. II, da norma em estudo, que estabelece que será
exigida a apresentação dos documentos habilitatórios apenas pelo licitante
vencedor da competição, sendo esse um expediente assemelhado ao regramento
constante do art. 4º, inc. XII, da Lei Federal nº 10.520/2002, que determina
que a análise da documentação habilitatória será restrita ao particular que
apresentou a melhor proposta, ainda que a documentação seja apresentada na
sessão inicial por todos os participantes. Por meio da referida disciplina,
garante-se a celeridade na condução do processo licitatório, uma vez que não
será necessário analisar a documentação habilitatória de todos os proponentes que
acudiram ao chamado da Administração Pública licitante.
Adite-se, ainda, que o inc. IV do
art. 14 estudado, com o objetivo de ampliar a angulação de participantes no
certame processado por meio do RDC, possibilita que a apresentação dos
documentos afetos à regularidade fiscal seja realizada em momento posterior ao
julgamento das propostas e apenas do licitante mais bem classificado, cuja
exigência deverá, entretanto, constar expressamente do ato convocatório.
Tal regra permite que potenciais
proponentes, em condições de executar o objeto da licitação, participem do
certame, ainda que desprovidos de regularidade fiscal, garantindo-se a
oportunidade futura daquele que apresentou a proposta mais vantajosa
regularizar sua situação tributária, de forma a ter para si adjudicado o objeto
do processo licitatório.
Melhor elucidando a questão, ensina o
jurista Marçal Justen Filho que, in verbis:
A regra destina-se a evitar que
licitantes potencialmente em condições de executar o objeto deixem de ser
contratados em virtude de problemas fiscais. Em muitos casos, a ausência de
regularidade fiscal não é um efetivo impedimento à atuação satisfatória do
sujeito. Então, a Administração pode ser beneficiada pela obtenção de uma
proposta satisfatória e vantajosa, ainda que formulada por um sujeito que não
dispõe da documentação comprobatória de sua regularidade fiscal.
[...]
Mas a regra apresenta outra
finalidade. Busca propiciar uma oportunidade para que o sujeito adquira
regularidade fiscal. O dispositivo não autoriza a contratação de alguém em
situação irregular, mas apenas permite que o sujeito, em vistas da perspectiva
de uma contratação administrativa, providencie a regularização de sua situação
fiscal. Então, o sujeito retornará ao cenário da atuação empresarial normal,
superando um obstáculo existente até então" (Comentários ao RDC.
São Paulo: Dialética, 2013. p. 282-283).
Demais disso, com o intento de
melhorar ainda mais as condições de contratação, reverenciando, assim, o
princípio da economicidade, restou introduzida outra regra da Lei do Pregão no
RDC, conforme se infere no art. 26 da Lei Federal nº 12.462/2011, o qual
autoriza que a Administração licitante negocie condições mais vantajosas com o
primeiro colocado, expediente não permitido no âmbito das modalidades
tradicionais de licitações regidas pela Lei Federal nº 8.666/93.
Observa-se, outrossim, outra
disciplina constante da Lei Federal nº 10.520/2002, que restou incorporada no
art. 27 da norma em estudo, a qual estabelece que, salvo no caso de inversão de
fases (julgamento pós-habilitação), o procedimento licitatório terá fase
recursal única, que ocorrerá após a habilitação do vencedor. Desta feita,
estabelecendo o regulamento que todas as intercorrências observadas durante a
condução do certame serão analisadas em apenas um expediente recursal,
garante-se que o processamento da licitação será mais célere.
No que tange às regras e
procedimentos de apresentação de propostas ou lances, restaram introduzidos no
RDC, de certa forma, os mecanismos de competição observados na Lei do Pregão,
bem como aqueles consagrados na Lei de Licitações, os quais poderão ser
utilizados tanto na licitação processada de forma presencial quanto na
eletrônica.
Nesse passo, a primeira forma de
competição, denominada de “modo aberto de disputa”, que equivale ao modo de
disputa constante do pregão e do leilão, é caracterizada pela realização de
sessão pública na qual serão ofertados lances sucessivos, crescentes ou
decrescentes pelos participantes.
Já o denominado “modo fechado de
disputa” caracteriza-se pela apresentação de envelopes fechados, permanecendo
sigilosos até a hora designada para a sua divulgação, sendo esse, aliás, o
expediente utilizado nas modalidades tradicionais de licitação, devidamente
arroladas no art. 22 da Lei de Licitações.
Grife-se que é permitida a combinação
dos modos de disputa supramencionados, quais sejam, o “aberto” e o “fechado”,
sendo a forma de condução da fase competitiva explicitada pelos arts. 23 e 24
do Dec. nº 7.581/2011, os quais estabelecem que, caso o procedimento se inicie
pelo “modo de disputa fechado”, serão classificados para a etapa subsequente os
licitantes que apresentarem as três melhores propostas, iniciando-se então a
disputa aberta, com a apresentação de lances sucessivos, nos termos dos arts.
18 e 19 do texto regulamentar. Nesse passo, caso o procedimento se inicie pelo
“modo de disputa aberto”, os licitantes que apresentarem as três melhores
propostas oferecerão propostas finais fechadas.
Por fim, em relação aos critérios de
julgamento adotados pelo regime diferenciado de contratações, verifica-se que o
art. 18 da Lei nº 12.462/2011 aplica como forma de julgamento da licitação: I –
menor preço ou maior desconto; II – técnica e preço; III – melhor técnica ou
conteúdo artístico; IV – maior oferta de preço; ou V – maior retorno econômico.
Em relação a alguns traços desses
critérios de julgamento das licitações processadas por meio do RDC, estabelece
o art. 26 do competente regulamento federal que o “menor preço ou maior
desconto” considerará o menor dispêndio para a Administração Pública, atendidos
os parâmetros mínimos de qualidade definidos no instrumento convocatório.
Já em relação ao conhecido critério
de julgamento que combina “técnica e preço”, conforme prevê o art. 28 da
norma regulamentar, tem-se que este será utilizado exclusivamente nas
licitações destinadas a contratar objeto de natureza predominantemente
intelectual e de inovação tecnológica ou técnica ou que possa ser executado com
diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado,
pontuando-se as vantagens e qualidades oferecidas para cada produto ou solução.
Conforme
se infere do art. 30 do decreto destacado, o critério de julgamento pela
“melhor técnica ou pelo melhor conteúdo artístico” poderá ser utilizado no
processo seletivo que objetiva contratar projetos e trabalhos de natureza
técnica, científica ou artística, incluídos os projetos arquitetônicos e
excluídos os projetos de engenharia.
No
que tange ao critério de julgamento “maior oferta de preço”, na forma do art.
33 do competente regramento, tem-se que este será empregado nas licitações
cujos futuros contratos resultem em receita para a Administração Pública.
Por
fim, conforme estabelece o art. 36 do regulamento, será adotado o critério de
“maior retorno econômico” quando se pretende selecionar uma proposta que
proporcione maior economia para a Administração Pública decorrente da execução
do contrato.
Desta
feita, verifica-se que é mediante esses critérios de julgamento, somados às
novas regras procedimentais, como acima restaram delineadas, que a
Administração Pública brasileira, por meio do RDC, buscará a ampliação da
eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes,
promoverá a troca de experiências e tecnologias objetivando uma melhor relação
entre custos e benefícios para o setor público, incentivará a inovação
tecnológica e, por fim, garantirá a isonomia entre os licitantes e a seleção da
proposta mais vantajosa para a Administração Pública, objetivos deste regime
diferenciado de contratações, ex vi do art. 1º, § 1º, da norma legal em
destaque.
Por
Aniello dos Reis Parziale – Advogado, membro do Corpo Jurídico da NDJ
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