Aniello dos Reis Parziale - OAB/SP nº 259.960. Advogado, Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro do Consultoria Jurídica da Editora NDJ desde 2007. É mestrando em Direito Econômico e Político pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Artigo publicado no BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Março/2012, p. 198 e na Revista do Tribunal de Contas da União, nº 123, jan./abr. 2012, p. 28; 1.
1. Introdução
A revisão do processo sancionatório, objetivando a redução ou o afastamento de uma penalidade administrativa, a qual foi aplicada no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, é uma garantia ao particular apenado de que a sanção recebida possa ser revista no futuro, caso sejam apresentados novos fatos ou circunstâncias relevantes à Administração Sancionadora, suficientes à justificar a inadequação da pena anteriormente aplicada.
Artigo publicado no BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Março/2012, p. 198 e na Revista do Tribunal de Contas da União, nº 123, jan./abr. 2012, p. 28; 1.
1. Introdução
A revisão do processo sancionatório, objetivando a redução ou o afastamento de uma penalidade administrativa, a qual foi aplicada no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, é uma garantia ao particular apenado de que a sanção recebida possa ser revista no futuro, caso sejam apresentados novos fatos ou circunstâncias relevantes à Administração Sancionadora, suficientes à justificar a inadequação da pena anteriormente aplicada.
No procedimento em apreço, deflagra-se
um novo processo administrativo, denominado revisivo, o qual poderá ocorrer de
ofício, ou seja, pela própria Administração sancionadora, ou a pedido do particular
apenado. Objetiva-se, ao final desse expediente, um novo pronunciamento, o qual
reverá uma sanção administrativa, que no âmbito das licitações públicas e
contratos administrativos são aquelas arroladas nos arts. 86 e 87 da Lei
federal nº 8.666/93 e art. 7º da Lei federal nº 10.520/02.
Em lição precisa, leciona José dos
Santos Carvalho Filho, que o processo administrativo que abaixo será estudado
objetiva “(...) corrigir erro de julgamento, evitando que o interessado seja
vítima de sanção onde esta não deveria ter sido aplicada ou de sanção mais
grave do que aquela que merecia. Para que haja revisão, entretanto, cabe a
cabal demonstração de existência de fatos novos ou de circunstâncias relevantes
comprobatórios da inadequação sancionatória.” (2007, p. 337).
A pouca utilização da revisão - que,
aliás, é um instituto novo no Direito Administrativo[1] -
no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos, advém, além do
seu desconhecimento (já que demanda a análise da principiologia e da legislação
de processo administrativo), do fato de a Lei federal nº 8.666/93 não carregar
em seu bojo dispositivo que ampare a pretensão do particular em requerer da
Administração sancionadora a rediscussão da sanção aplicada, como já ocorre na
seara disciplinar, conforme estabelece o art. 174 da Lei federal nº 8.112/90, o
qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União.
Assim, por meio desse novo
pronunciamento, se expurgam do seara jurídica decisões desproporcionais, que
passam a ser ilegítimas e arbitrárias, incompatíveis com a nova ordem jurídica,
o que é necessário já que “A Administração Pública, como instituição destinada
a realizar o Direito e a propiciar o bem comum, e não agir fora das normas
jurídicas e da moral administrativa, nem relegar os fins sociais a que sua ação
se dirige” (MEIRELLES, 2007, p. 200).
2.
Dos fundamentos jurídicos da revisão
do processo sancionatório
A revisão do processo administrativo
sancionatório, como ensina José dos Santos Carvalho Filho, é uma espécie de
recurso, que deve ser processado, repise-se, por meio de um novo processo
administrativo.
Estribado no princípio da
revisibilidade das decisões
administrativas, a instauração de um processo revisivo poderá ser deflagrado
por meio de um requerimento calcado no direito de petição, o qual é garantido constitucionalmente pelo
art. 5º, inc. XXXIV, inc. “a” da Constituição Federal de 1988. Além da
provocação do interessado, permite-se que a Administração sancionadora de
ofício, instaure competente processo administrativo objetivando a revisão da
penalidade aplicada, expediente que denota obediência do princípio da
autotutela administrativa, consubstanciado na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal
Federal.
A possibilidade da revisão do processo
sancionatório é garantida legalmente no âmbito federal por meio do disposto no
art. 65 da Lei nº 9.784/99, denominada de Lei Federal de Processo
Administrativo, cujo teor reproduze-se:
Art. 65 - Os processos administrativos
de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de
ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de
justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do
processo não poderá resultar agravamento da sanção (BRASIL, 1999).
A positivação deste expediente no bojo
da Lei nº 9.784/99, a qual teve como inspiração a garantia de revisão de
sanções imposta no âmbito disciplinar,[2] detendo,
ainda, similitude com a revisão criminal[3] e
a ação rescisória[4],
possibilitou a utilização da revisão de pena aplicada em outros processos
punitivos, a exemplo dos ocorridos na seara tributária, concorrencial e
eleitoral.
Da mesma forma, garantiu-se a sua
utilização no âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Com
efeito, saliente-se é plenamente possível deflagrar o processo revisivo de uma
sanção devidamente imposta no âmbito das contratações governamentais, com fulcro
no dispositivo legal supramencionado.
Dessa forma ocorre porque a utilização
dos preceitos fixados na Lei nº 9.784/99, por força do que estabelece o art.
69, somente são aplicadas de forma subsidiária ou suplementar sobre as normas
de caráter específico (Lei federal nº 8.666/93, por exemplo), naquilo que não
contrariar regra específica.
Por conseguinte, como a Lei federal nº
8.666/93 é silente sobre o tema, não estabelecendo nenhum procedimento
destinado a rever uma penalidade aplicada no âmbito das licitações e contratos
administrativos, está autorizado utilização da revisão constante do art. 65 da
9.784/99 a fim de garantir a deflagração do competente processo, já que os
contornos legais, que abaixo se verificará, não conflitam com nenhum
dispositivo constante do Estatuto federal Licitatório.
Sobre a aplicação subsidiária das leis
de procedimento administrativo leciona Egon Bockmann Moreira que, verbis:
A aplicação subsidiária significa um
âmbito de incidência limitado aos planos normativos não regulados pelas leis
relativas a “processos administrativos específicos”. Estes continuam a reger-se por suas próprias
normas. Caso a Lei 9.784/1999 traga alguma previsão que não conflite com os
processos específicos, o dispositivo é de aplicação cogente (2007, p. 292).
Nessa toada, não é outro o
entendimento do Eg. Tribunal de Contas da União, conforme consta do seu Manual
de Licitações, onde expressamente
reconheceu a possibilidade da revisão do processo sancionatório no âmbito das
licitações públicas e contratos administrativos, asseverando que:
Processos administrativos de que
resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício,
quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de
justificar a inadequação da sanção aplicada.
Da revisão do processo não poderá
resultar agravamento da sanção (2010, p. 754).
Saliente-se que, recentemente, o
Superior Tribunal de Justiça garantiu a aplicação deste expediente no âmbito
das contratações governamentais, determinando ao Ministério dos Esportes que
apreciasse um pedido de revisão de uma sanção a qual foi aplicada no âmbito de
um pregão. Observe-se:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO
ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE REVISÃO. ADEQUAÇÃO DA SANÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA
RELEVANTE. CABIMENTO.
1. "Os processos administrativos
de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de
ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de
justificar a inadequação da sanção aplicada." (artigo 65 da Lei nº
9.784/99).
2. Cabível o pedido de revisão, não há
falar em impossibilidade jurídica do pedido, tampouco em intempestividade,
exsurgindo o direito líquido e certo do impetrante de ver apreciado seu
requerimento como apresentado - pedido de revisão - e integralmente.
3. Ordem concedida (BRASIL, 2010a).
Como acima já se asseverou, mesmo
inexistindo um dispositivo expresso na legislação que regula o processo
administrativo dos demais entes federativos que permita a revisão de uma
sanção, é obrigação da Administração sancionadora apreciar eventual
requerimento apresentado por licitante ou contratado apenado, a qualquer tempo,
devendo referido expediente ser processado como um direito de petição,
circunstância que prestigia o princípio da revisibilidade das decisões
administrativas.
Nesse sentido preleciona a jurista
Lúcia Valle Figueiredo, verbis:
Quando utilizável o direito de
petição, pode haver exercício de direito individual, e, também, de direito
coletivo, da cidadania. Qualquer um pode – e deve – peticionar ao Poder Público
para pleitear a correção de condutas administrativas que se manifestem erradas
ou ilegais.
Como visto, o
direito de petição também é outra maneira de deflagrar procedimentos revisivos (1994, p. 87). (grifo nosso).
Por ser oportuno, também salienta o
mestre Celso Antonio Bandeira de Mello sobre o tema, verbis:
O princípio da revisibilidade, além de
dever ser considerado como um princípio
geral do Direito, embasa-se no direito de petição, previsto no art. 5º
XXXIV “a”, a teor do qual todos têm assegurado “o direito de petição dos
Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de
poder”.
Ora, tal direito presume uma atuação
administrativa que o cidadão repute desconforme com a ordem jurídica. Assim,
peticionará a revisão dela, tanto mais porque a Administração se estrutura
hierarquicamente, no que vai implícito de revisibilidade (2008, p. 498) (grifo
do autor).
Acerca
do princípio da revisibilidade, também ensina, Rafael Munhoz de Mello, verbis:
Além disso, a
Constituição Federal garante aos particulares o direito de petição (art. 5º,
XXXIX, “a”), que deve desencadear a instauração de um processo administrativo e
a prolação de uma decisão.
A parte que se sentir
legada por ato praticado em processo administrativo tem o direito de encaminhar
petição ao órgão superior, que terá o dever de invalidar se estiver configurada
ilegalidade, não sendo possível a convalidação (2007, p. 239).
Saliente-se, por fim, que o instituto
em estudo em nada se confunde com a reabilitação,
prevista no inc. IV do art. 87 da Lei federal nº 8.666/93[5],
expediente esse realizado pela própria Administração sancionadora, que será
concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos
resultantes da sua conduta desabonadora, após decorridos 2 anos da sanção
imposta, sendo distinto também de um pedido
de reconsideração[6] que, como ensina Hely Lopes Meirelles
“é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato, para
que o invalide ou modifique nos termos da pretensão do requerente” (2007, 678).
4.
Pressupostos
Utilizar-se-á como base para o
desenvolvimento do presente estudo os requisitos legais impostos pela
disciplina constante do art. 65 da Lei federal nº 9.784/99, o qual foi
inspirado na revisão de sanção já consagrado na seara disciplinar, como já se
salientou, já que os mesmos são reproduzidos em diversas normas estaduais e
municipais que regulam o processo administrativo, a exemplo da Lei nº 12.209/11
do Estado da Bahia, Lei nº 11.781/00 do Estado de Pernambuco e da Lei nº 8.
814/04, do município de Uberlândia.
Ademais, ante a ausência de
ensinamentos doutrinários acerca da revisão das penas aplicadas no âmbito das
licitações públicas e contratos administrativos, utilizar-se-á, além do
magistério existente e ensinado no âmbito da Lei federal de processo
administrativo, as lições prelecionadas na seara disciplinar, a quais poderão
ser utilizadas, mutatis mutandis, no
campo licitatório e contratual administrativo.
4.1
Existência de processo sancionatório
encerrado
Para que uma sanção imposta no âmbito
de uma licitação ou durante a execução de um contrato administrativo possa ser
revista, deverá existir um processo sancionatório devidamente concluído, onde
se tenha, ainda, transcorrida a competente fase recursal.
Dessa forma ocorre porque somente após
a conclusão desse processo administrativo é que existirá uma sanção
efetivamente aplicada - em garantia ao princípio da presunção da inocência -, e
que poderá, a partir desse momento, ser objeto de competente revisão.
Saliente-se que a necessidade do
aguardo da conclusão do processo punitivo advém do fato de a sanção aplicada
poder ser revista em sede recursal. Assim, evita-se a movimentação da máquina
administrativa.
Nesse sentido, ensina C. J. Assis
Ribeiro que não caberá revisão do processo sancionatório: “Quando a decisão
comportar pedido de reconsideração e recurso hierárquico” (1959, p. 108).
4.2
Inexistência de prazo para instauração do processo administrativo revisivo
A garantia da possibilidade de
deflagração de um processo administrativo revisivo, a qualquer tempo, permite a aplicação concreta do princípio da
verdade material, a qual impõe à Administração sancionadora a necessidade
permanente da busca da demonstração da verdade fática.
Essa segurança é fundamental para o
exercício do direito de revisão da punição imposta no âmbito das licitações
públicas e contratos administrativos. Isso porque, como o período de
cumprimento das penalidades são extensas - até 5 anos, conforme estabelece o
art. 7º da Lei federal nº 10.520/02 - quando não permanentes - ou seja,
enquanto perdurarem os efeitos ensejadores da sanção, quando da declaração de
inidoneidade, conforme estabelece o art. 87, inc. IV da Lei nº 8.666/93 - a
possibilidade do exercício a qualquer tempo garante que a pena possa ser
revista quando do surgimento do fato novo ou circunstância relevante, que
poderá ocorrer também a qualquer momento.
Por conseguinte, a fixação de um prazo
para a instauração de um processo revisivo obstaria o exercício desse direito o
que mitigaria os efeitos do supramencionado princípio. Nesse sentido, já ensinou
a longa data C. J. Assis Ribeiro, o direito do exercício da revisão é
imprescritível. (1959. p. 109).
Com efeito, a possibilidade de
deflagração do processo revisivo a qualquer momento franqueia ao particular
apenado o direito de apresentar seu requerimento em ato contínuo à manifestação
da autoridade sancionadora, onde não mais comporte recurso, ou após decorrer alguns
anos, já que esses fatos novos ou circunstâncias relevantes podem surgir a
qualquer tempo.
Acerca dessa garantia, ensina José dos
Santos Carvalho Filho, verbis:
Essa possibilidade retrata,
indiscutivelmente, uma garantia para todos os administrados que sofreram
punição injusta, ou seja, a punição que não seria imposta se fossem conhecidos
os novos fatos ou verificadas as circunstancias relevantes indicativas da
inadequação punitiva.
Ao fixar a referida garantia, a lei,
por via de consequência, está afirmando ser imprescritível a pretensão
administrativa de revisão do ato punitivo, não podendo a Administração
eximir-se de apreciar esse tipo de pedido sob alegação de decurso de prazo. É
até mesmo admissível que o pedido de revisão seja julgado improcedente; o que é
vedado, porém, é que os órgãos administrativos deixem de conhecer do pedido em
razão de ter sucedido a prescrição.
Assim, sendo, não é o fator tempo elemento subjetivo impeditivo à
satisfação do interesse revisional. (2007. p. 333) (destaque do autor).
4.3
Instauração e condução do processo revisivo
A deflagração de um processo
administrativo revisivo poderá ocorrer de
ofício, ou seja, será iniciado pela
própria Administração sancionadora, sem prejuízo da interferência do particular
apenado.[7]
Com efeito, a possibilidade de a
Administração sancionadora dar início ao referido processo administrativo é
consubstanciação do princípio da autotutela administrativa, já que a
Administração Pública é obrigada a rever seus atos que se apresentam como
inconvenientes e inoportunos, a exemplo da imposição de uma sanção que se
apresente, após a efetiva aplicação, desproporcional ou ilegítima.
Como já acima já se asseverou, o
desencadeamento do processo revisivo de ofício também decorre da observância do
princípio da verdade material, o qual, nas palavras do jurista Celso
Antonio Bandeira de Mello:
“Consiste em que a Administração, ao
invés de ficar restrita ao que as partes demonstraram no procedimento, deve
buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os
interessados hajam alegado e provado” (2008, p. 494).
Para tanto, o ato de instauração do
processo revisivo deverá apontar os novos fatos ou circunstâncias relevantes,
como abaixo se verificará, a fim impulsionar o seu desenvolvimento no âmbito
administrativo.
Sobre a deflagração de um processo
revisivo de ofício pela Administração sancionadora, ensina Lúcia Valle
Figueiredo, verbis:
Os processos revisivos podem
iniciar-se – como já afirmado – de ofício, pelo direito de petição (art. 5º,
XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal) ou pelo direito à revisibilidade
(“duplo grau”).
Será procedida a revisão de ofício na
hipótese de a Administração, ela própria entender de exercer sua competência
controladora. Ou, então, na fase de integração (2006, p. 456) (grifo nosso).
Já em relação à instauração de um
processo revisivo a pedido do
particular apenado, tem-se que o licitante ou contratado deverá peticionar à
Administração sancionadora, dirigindo seu requerimento à autoridade competente,
apontando o fato novo ou a circunstância relevante verificados.
Ao final desse procedimento, deverá
ser prolatada uma nova decisão, o qual deverá ser devidamente motivada, a fim
de tornar sem efeito ou mitigar a sanção inicialmente aplicada.
O processo revisivo se desenvolverá
apensado ao sancionatório originário, que, ao seu cabo, deliberou pela
aplicação de sanção agora combatida, permitindo, desta feita, o confronto e
garantindo uma visão ampla de ambos expedientes.
Grife-se que o presente estudo não
adentrará na principiologia do processo administrativo, características e fases
do seu desenvolvimento, limitando-se apenas a ressaltar às características do
processo revisivo, bem como de expedientes que protejam o exercício do direito
do particular de garantir uma manifestação da Administração a adequada.
Nesse sentido, na medida em que a
Administração Sancionadora está sendo instada a se manifestar sobre um assunto
já apreciado, não poderá o órgão ou entidade processar o pedido do particular
com descaso ou deixá-lo em segundo plano, devendo a atuação pautar-se seguindo
os padrões éticos de probidade e boa-fé, princípios, aliás, expressamente
previstos na Lei federal de Processo Administrativo, em seu art. 2º, parágrafo
único, inc. III, já que por meio deste expediente pretende-se proteger direitos
e o patrimônio do licitante ou contratado sancionado.
Ademais, deverá o processo revisivo
ter duração moderada, ante a necessidade de observância do direito fundamental
à razoável duração do processo, constitucionalmente garantido pelo inc. LXXVIII
do art. 5º da Constituição Federal de 1988.[8]
Saliente-se, por ser oportuno, que a
não instauração do referido processo administrativo, ou a sua condução
demorada, gerar prejuízo ao particular apenado, manifestamente comprovado,
tendo em vista o princípio da responsabilidade objetiva, devidamente previsto no art. 37, § 6º da Constituição
Federal de 1988, a competente indenização se imporá. Sobre o tema ensina Egon
Bockmann Moreira, verbis:
Não sendo instalado o processo, e caso
desse fato resulte prejuízo concreto às pessoas envolvidas, dar-se-á o dever de
indenizar. Tanto na hipótese de pedido recusado ou não apreciando como naquelas
de desconsideração da incumbência legal de instalar o processo (2007, p.163).
É oportuna também a lição proposta
pela Lúcia Valle Figueiredo, verbis:
Deveras, poderá o administrado, pela
via do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, letra “a”, da Constituição
Federal), provocar a Administração para exerça seu dever. Quid juris se a Administração ignorar?
Caberá, sem dúvida, responsabilidade
e, dependendo do caso,aplicar-se-á o dispositivo constitucional próprio, art.
37, §6º da Constituição Federal da República (responsabilidade do Estado), ou,
se for o caso, art. 5º, inc. LXIX, também do texto constitucional (o mandado de
segurança) (2006, 361).
Ademais, a condução do processo
revisivo deverá prestar homenagem o princípio da imparcialidade, o qual
“significa certeza prévia da não-vinculação da atividade instrutória e
decisória em favor de qualquer uma das partes envolvidas no processo
administrativo (particulares ou Administração)” (MOREIRA, 2007, p. 120).
4.4 Surgimento de um fato novo
Conforme se verifica, a possibilidade
de a penalidade imposta ao licitante ou contratado ser revista exige a
apresentação de um fato novo à Administração sancionadora, cujo teor seja
suficiente para que a competente autoridade entenda que aquela sanção,
inicialmente aplicada, é imprópria, revendo-a, portanto.
O jurista José dos Santos Carvalho Filho
entende como fato novo somente aquele tido como inexistente na ocasião da
tramitação do processo sancionatório inicial. Aquele que de fato já existia,
nessa oportunidade, mas que não foi juntado nos autos do processo
administrativo, na ocasião do seu desenvolvimento, não pode ser considerado
como novo. Observe-se, verbis:
Fatos novos são aqueles não levados em
consideração no processo original de que resultou a sanção por terem ocorrido a
posteriori. O sentido de “novo” no texto guarda relação com o
tempo de sua ocorrência e, por conseguinte, com sua ausência para análise ao
tempo em que se apurava a infração. O fato novo pode alterar profundamente a
conclusão antes firmada, protagonizando convicção absolutória no lugar do
convencimento sancionatório adotado na ocasião. Surgindo fato dessa natureza,
não seria mesmo justo que perdurasse a sanção, decorrente daí que esta deve ser
anulada ou modificada conforme a hipótese, mas não mantida da forma como foi
imposta.
Do exposto, não é difícil notar que,
se um fato já existia ao momento em que tramitava o processo original, mas, por
qualquer razão, não foi levado em conta na apreciação global do processo,
talvez a culpa (desinteresse ou inércia) do próprio administrado, não se pode
considerar o evento como fato novo. O pedido revisional, por isso, deve ser
indeferido (2007, p. 335) (grifo do autor).
Para o professor Wellington Pacheco
Barros:
Fatos
novos, portanto, são
aqueles acontecimentos que, embora desconhecidos das partes durante a instrução
do processo administrativo ou que vieram a acontecer depois do julgamento, têm
reflexo no processo já julgado (2005, p. 170) (grifo do autor).
Já para o Superior Tribunal de
Justiça:
2- A expressão "novo"
significa dizer documento inexistente à época dos fatos, não podendo o autor da
rescisória haver se valido quando da ação pretérita. Em não havendo a
caracterização da desídia do autor em apresentá-lo quando dos fatos ou a sua
inexistência ao tempo do processo anterior, é de ser conferido ao documento o
título de "novo". (BRASIL, 1999).
Como fato novo, por exemplo, poderá
ser o surgimento de uma sanção mais branda que aquela inicialmente imposta,
expediente que impõe que a penalidade seja revista, já que o princípio da
retroatividade da norma mais benigna deve ser observado pela Administração
Pública, no âmbito dos processos punitivos. Sobre o tema, ensina o Heraldo
Garcia Vitta, verbis:
3. Retroação da lei mais benigna e
decisão mais favorável no processo revisional.
A norma jurídica retroagirá (1) tanto
na hipótese da nova legislação atribuir pena
menos grave à conduta anterior ao advento dela como (2) no caso de já não considerar a conduta como ilícito
administrativo.
(...)
O mesmo se diga da decisão mais favorável ao administrado, no processo
revisional. Mesmo depois de findo processo administrativo, no qual se
apurou a infração e se impôs penalidade correspondente, pode ocorrer de a nova norma jurídica atribuir à conduta
praticada pelo infrator pena menos grave
do que a cominada sob a vigência da anterior ordem normativa; ou, ainda, nova
norma jurídica considerar a conduta lícita,
havida por ilícita sob a égide da ordem anterior. Nessas hipóteses, se houver processo revisional, a autoridade deverá
considerar a nova ordem normativa: extinguir a penalidade, se o infrator já
cumpriu a pena (no primeiro caso), ou extingui-la de imediato, no segundo caso
(2003, pp. 144/146) (destaques do autor).
A ausência de demonstração de um fato novo impede o reexame da penalidade
aplicada. Nesse sentido, em expediente administrativo colacionado em sua
fundamental obra para o estudo das licitações e contratos administrativos,
Jessé Torres Pereira Junior aponta um processo revisivo onde o particular não
apresentou um acontecimento inédito suficiente para modificar a sanção
inicialmente imposta. Observe-se:
A. S. G. Ltda. pede, em recurso
inominado, o reexame da penalidade de
advertência que Vossa Excelência lhe impôs em razão de cumprimento
irregular de obrigações contratuais, apurado em procedimento administrativo.
(...)
Ao que se deduz do arrazoado, a
recorrente quer que Vossa Excelência reveja o ato. Todavia, nenhum fato novo traz à revisão
postulada.
(...)
Como se vê, nenhum é o “resíduo de
dúvida” a que alude a recorrente. Tudo foi demonstrado pela Administração e
admitido pela defendente, que mantém a confissão no recurso e ainda assim quer
o cancelamento da penalidade.
(...)
Nada há, portanto, a rever na penalidade aplicada.
DECISÃO: Nada a rever na decisão, em
face dos fundamentos supramencionada que acolho (2009, pp. 877/879) (grifos
nossos).
4.5
Circunstância relevante
A apresentação de uma circunstância
relevante à Administração sancionadora, como justificativa da inadequação de
uma sanção anteriormente aplicada, também autoriza a revisão da pena imposta ao
licitante ou contratado.
Como novamente preleciona o jurista
José dos Santos Carvalho Filho, circunstâncias relevantes não leva em conta o
tempo da sua ocorrência, mas sim a importância deste fato para autorizar a
revisão da sanção imposta pela Administração. Nesse sentido ensina, verbis:
Se um fato, por exemplo, ocorreu ao
tempo em que tramitava o processo original, mas não era conhecido do
interessado e da Administração, não pode caracterizar-se como novo, mas se for fundamental para o
acolhimento do pedido de revisão deve qualificar-se como circunstância relevante,
porque o fundamental, nesse caso, é a importância de que se reveste para a
apreciação final do pedido revisional. A descoberta de determinado documento já
existente à época do fato, mas desconhecido pelas partes, é circunstância
relevante, se necessária para justificar a injustiça da punição (2007,
pp.335/336). (destaques do autor)
Já Wellington Pacheco Barros grafa
que, verbis:
Circunstâncias são particularidades de
um todo. Circunstâncias relevantes, portanto, são particularidades importantes
que não foram consideradas na análise do processo administrativo por
desconhecidas, mas que não passíveis de justificar a inadequação da sanção
aplicada. É a situação de alguém que sofreu uma sanção administrativa grave
calcada na assertiva de já ter sido punido, quando, em verdade, a punição
anterior nunca ocorrera (2005, pp.170/171).
Acerca desses requisitos que,
necessariamente, devem ser verificados pela Administração sancionadora, condição
para o deferimento do pedido do licitante ou contratado, leciona Egon Bockmann
Moreira, que, verbis:
A revisão dar-se-á caso surjam “fatos
novos” ou “circunstâncias relevantes”. Ou seja: é subordinada à existência
concreta de fatos e pormenores inéditos ao processo e à decisão, absoluta e
objetivamente desconhecidos dos interessados ou da Administração. Não é
possível a revisão com lastro em fatos conhecidos, mas coincidentemente não
alegados ou discutidos no processo (2007, p. 360).
Por conseguinte, a mera arguição de
injustiça não autoriza a revisão da punição devidamente aplicada. Nesse sentido
ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos que, verbis:
A simples alegação de injustiça da
imposição da penalidade, sem fundamento ou prova para tal, não se presta para
dar processamento do pedido de revisão (...).
.............................................................................................................
Ele requer um embasamento sólido, onde
os elementos novos são suficientes para demonstrar que a penalidade imposta
deve ser alterada, para dar lugar à verdade real. Ou então, que os novos fatos
ou elementos são suficientes para uma nova reflexão do que foi decidido (2010,
p. 772).
Nesse sentido também ensinou C. J de
Assis Ribeiro, verbis:
Não caberá, no entanto a revisão:
a) Quando tiver como fundamento
simples alegação da injustiça da penalidade, sem aduzir-se a qualquer prova
(1959, p. 108).
No âmbito do processo revisivo, caberá
ao apenado demonstrar à Administração sancionadora os fatos novos e
circunstâncias relevantes, comprovando a inadequação da sanção imposta. Assim,
observe-se que há nesse expediente administrativo a inversão do ônus da prova,
devendo o particular apresentar tais ocorrências à Administração sancionadora
no bojo do seu requerimento.
Sobre o tema ensina Ivan Barbosa
Rigolin, quando preleciona a revisão de punições aplicadas no âmbito do
processo administrativo disciplinar, verbis:
No processo administrativo disciplinar
originário o ônus de provar que o indiciado é culpado de alguma irregularidade
que a Administração lhe imputa pertence evidentemente a esta. Sendo a
Administração autora do processo, a ela cabe o ônus da prova, na medida em que
ao autor de qualquer ação ao procedimento punitivo sempre cabe provar o
alegado.
Essa regra predomina também no
processo revisional, onde o ônus da prova de que a pena foi elevada demais, ou
de todo imerecida, passa a caber ao requerente da revisão, que é afinal o seu
autor, o próprio servidor condenado no processo administrativo. Sabendo-se que
apenas cabe processo revisional se ocorrer alguma daquelas circunstâncias, ou
daqueles fatos, elencados no art. 174, ao requerente da revisão incumbe provar
que de fato ocorreu, e que de fato o processo merece revisão.
Pode-se na verdade afirmar: o
interesse no processo disciplinar originário é da Administração, e consiste em
provar que o servidor é culpado de alguma irregularidade, caso este não consiga
demonstrar sua inocência. No processo revisional é o inverso que ocorre.: o
interesse em demonstrar o indevido da pena aplicada é do requerente, do
servidor indiciado anteriormente, e não da Administração. (2007, p. 338)
4.6 Justificação de que
a sanção aplicada, em face dos novos fatos e circunstâncias relevantes
apresentados, é inadequada
Outra condição imposta para que a
revisão da penalidade ocorra é a de que os fatos novos ou circunstâncias
relevantes apresentados sejam
suficientes para justificar, no bojo do processo administrativo revisivo, que a
punição aplicada inicialmente é inadequada.
Para Egon Bockmann Moreira, verbis:
Sanção inadequada é aquela imprópria
aos fatos do processo, por motivos de legalidade ou mérito administrativo, Com
lastro nos fatos novos e circunstâncias relevantes, consta-se que o provimento
aplicou mal a sanção, ou aplicou uma sanção errada (2007, p. 360).
Caso assim não for, ou seja, mesmo
sendo apresentados os devidos elementos à Administração sancionadora restar
caracterizada que a penalidade imposta foi a adequada, à luz da conduta ilícita
praticada pelo licitante ou contratado, o pedido de revisão da penalidade
anteriormente imposta deve ser julgado improcedente.
Nesse sentido manifesta-se o Superior
Tribunal de Justiça, verbis:
4. Em não tendo sido aduzidos fatos
novos ou qualquer outra circunstância suscetível de justificar a inocência do
punido ou a inadequação da pena aplicada, impõe-se reconhecer a legalidade do
ato que indeferiu a instauração do processo revisional (BRASIL, 2001).
Isso porque, ante a necessidade de
observância do principio da proporcionalidade ou proibição de excesso, uma
sanção aplicada pela Administração Pública deve ser proporcional à conduta
reprovável praticada pelo licitante ou contratado. Sobre o tema, salienta
Rafael Munhoz de Mello, verbis:
O princípio da proporcionalidade ocupa
papel relevante no direito administrativo sancionador, cujas normas disciplinam
atuação estatal das mais agressivas aos particulares. As sanções
administrativas são um mal imposto pela Administração Pública aos indivíduos
que praticam infração administrativa. Trata-se de medida que atinge de modo
negativo a esfera jurídica dos particulares, razão pela qual deve ser aplicada
com observância do princípio da proibição de excesso e seu corolários:
adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito. Para que seja
válida, a sanção administrativa deve ser adequada, necessária e proporcional
(2007, p. 173).
Apresentando-se, dessa forma, no
competente expediente revisivo, novos fatos ou circunstâncias relevantes, bem
como as competentes justificativas de que, em face da situação apresentada, a
penalidade imposta ao particular, que em outro momento era legítima,
apresenta-se atualmente como inadequada, ante a necessidade de observância
estrita do princípio supramencionada, deve a Administração rever a penalidade
aplicada.
5.
Da nova decisão prolatada
Ao cabo do processo revisivo, em sendo
julgado improcedente o requerimento de revisão, em decisão a qual deverá estar
devidamente motivada, em nada será alterada a situação do particular, devendo o
licitante ou contratado cumprir devidamente a penalidade imposta, suportando o
ônus dela decorrentes.
Caso dessa forma ocorra, a rediscussão
da pena imposta poderá continuar fora da seara administrativa, já que o
particular, com arrimo no princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto
no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, pode se socorrer do
Poder Judiciário a fim de demonstrar a sua insatisfação em face da penalidade
recebida.
Nesse sentido grafa o jurista Marçal
Justen Filho, verbis:
Por outro lado, a punição ao
particular está sujeita ao controle do Judiciário. Cabe não apenas revisar a
imparcialidade e a satisfatoriedade do processo administrativo como a própria
correção jurídica do sancionamento eventualmente imposto (2009, 855)
Julgando-se procedente a demanda,
todavia, poderá ser cominada uma sanção menos grave, ou seja, a multa
contratual originalmente aplicada ou prazo da declaração ou suspensão
eventualmente impostas serão diminuídas, por exemplo.
Nessa toada, poderá também ser
afastada completamente a punição aplicada, tornando-a sem efeito, o que
demandaria a restauração do status quo
anterior, como por exemplo, tornar sem efeito eventual advertência imposta
inscrita no registro cadastral do particular, fato pode o desabonar no âmbito
das contratações governamentais; devolver a multa contratual recolhida pelo
licitante ou contratado ou compensado com a garantia contratual ou eventuais
créditos financeiros existentes.
Nesse sentido ensina Daniel Ferreira[9]
que julgando procedente a demanda e afastando-se totalmente a penalidade, a
sanção anteriormente recebida se extingue. Assim, deverão ser restabelecidos
todos os direitos atingidos pela pena.[10]
6.
Da impossibilidade do agravamento da penalidade aplicada
Impera nos processos administrativos
sancionatórios a necessidade de observância dos princípios do Direito Penal[11], onde se destaca o princípio da non reformatio in pejus.
Por meio da aplicação do referido
princípio, ao cabo do processo revisivo, não poderá a Administração agravar a
sanção inicialmente imposta. Acerca do referido princípio ensina o Heraldo
Garcia Vitta, verbis:
O princípio non reformatio in pejus decorre do devido processo legal. Se a
autoridade pudesse impor sanção mais grave, os particulares ficariam inibidos
de recorrer; haveria, também, ofensa ao duplo grau de jurisdição, inerente ao
regime democrático, além de ir de encontro ao contraditório e a ampla defesa.
Na verdade, é princípio geral de Direito, corolário do direito de defesa (2003,
p. 104).
Com efeito, saliente-se que o quantum da penalidade fruto da revisão
não poderá exceder aquela aplicada anteriormente, mesmo que se observe, ao fim
do processo revisivo, que a decisão justa seria uma mais grave do que aquela
inicialmente imposta. O que é apenas permitido, grife-se, é a discussão com o
fito de abrandar a pena cominada, bem como afastá-la completamente, porém,
nunca majorá-la.
Nesse sentido, não é de outra forma
que ensina o jurista Regis Fernandes de Oliveira, verbis:
Dedutível também dos princípios
constitucionais que dão sustentação à posição dos que são acusados pela
Administração Pública é a inadmissibilidade de julgamento que possa piorar a
situação do administrado quando apenas ele for o recorrente (1985, p. 100).
Desta mesma forma leciona José dos
Santos Carvalho Filho, verbis:
“Desse modo, em nenhuma situação a
revisão pode dar ensejo a que se piore a situação do recorrente. Em
conseqüência, a pior situação que o recorrente pode sofrer é a que decorre do
indeferimento do pedido revisional e manutenção da sanção originalmente
imposta” (2007, p. 337).
Para o Rafael Munhoz de Mello, verbis:
Se fosse permitida a reformatio in pejus, tolhido seria o
direito à interposição de recursos administrativos, frente à possibilidade de
ser majorada a sanção administrativa imposta pela decisão combatida pelo
recurso. O recurso tornar-se-ia um “risco adicional” nas palavras de Eduardo
Garciá de Enterría e Tomás Ramón Fernández (2007, p. 242).
Assim, ante a necessidade de
observância do princípio supramencionado, afasta-se a possibilidade de a
Administração instaurar, de ofício, um procedimento revisivo, objetivando
majorar a penalidade anteriormente imposta, a fim de, por exemplo, afastar o
licitante apenado das próximas licitações que vier a promover, caso a pena
imposta suspensa o seu direto de participar de certames licitatórios.
Aliás, nesse sentido é o magistério de
Daniel Ferreira, verbis:
Ocorre que muitas vezes a
Administração Pública se utilizar das sanções que, por lei, deve impessoal e
cogentemente impor aos administrados-infratores com finalidade diversa da
normativa (2001, p. 141).
7. Da
revisão da penalidade no judiciário
A Administração Pública, atuando na
função administrativa, no âmbito das licitações e contratos administrativo,
conforme estabelece o inc. IV do art. 58 da Lei federal nº 8.666/93, detém a
prerrogativa de sancionar particulares.
Nessa oportunidade, como o mesmo
agente público que aplica a penalidade é aquele que esta à frente ou integra a
Administração prejudicada pela inexecução contratual ou que verificou o ato
reprovável praticado durante a licitação, por mais que a condução do processo
sancionatório deva ocorrer de forma imparcial,[12]
tal isenção acaba sendo afastada, observando-se, muitas vezes, um ranço de
retaliação, já que a conduta reprovável do particular pode ter prejudicado o
serviço público, fato que se acaba traduzindo na aplicação de uma penalidade
superior àquela merecida.
De conseguinte, como a sanção recebida
pode ser carregada desse elemento, a apreciação do pedido de revisão dessa
penalidade poderá ser ignorada no âmbito administrativo, não recebendo o tratamento
e respeito adequados.
Nessa toada, muitos licitantes e
contratados apenados, visualizando o referido cenário e observando, ainda
patente prejuízo, socorrem-se diretamente do Poder Judiciário, com arrimo no
inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988, poupando tempo e
utilizando-se de instrumentos mais efetivos, já que é sabedor de que a
discussão administrativa será infrutífera.
Saliente-se que a opção judicial pode
ser a mais adequada quando inexiste tempo a ser despendido na discussão no âmbito
administrativa, já que o período necessário para o desenvolvimento do processo
pode prejudicar interesses do licitante ou contratado apenados.
Na seara judicial, por fim, poderá o
particular, comprovando-se a ilegitimidade da pena proposta, além de pleitear a
anulação da sanção, poderá, ainda, exigir a competente indenização pelas
consequências produzidas pela punição, a exemplo de prejuízos aferidos em face
da rescisão unilateral do ajuste, necessidade de recolhimento da multa
contratual, impossibilidade de participar de licitações, bem como celebrar
ajustes etc.
Nesse sentido, preleciona do jurista
argentino José Roberto Dromi, verbis:
El control judicial repecto de las
sanciones e las faltas contratuales cometidas por el contratista es amplio, y comprende aspectos tales como
la competência, el objeto, la voluntad y la forma, y em general los que se
vinculan com la legalidade administrativa de las sanciones aplicadas. Por ello,
es que los jueces podrán anularlas y condenar, em su caso, a la Administración
a indeminizar al contratista por lõs
danõs e perjuicios ocasionados por su indebida aplicación (2010, p. 513).
8.
Conclusão
Conforme exposição acima aduzida, a
revisão do processo sancionatório possibilita ao particular apenado, no âmbito
das licitações e contratos administrativos, a rediscussão da sanção aplicada a
qualquer tempo.
Para tanto, deverá o licitante ou
contratado apresentar à Administração sancionadora fatos novos e circunstâncias
relevantes, as quais sejam suficientes para justificar, neste novo processo
administrativo, que a punição aplicada anteriormente é inadequada.
Não poderá, saliente-se, em hipótese
alguma, ser majorada a pena inicialmente aplicada, mesmo que se observe, ao
cabo do processo sancionatório, que a sanção anteriormente aplicada foi
insuficiente.
Em não sendo deferido o pedido de
revisão, inexistindo tempo para o desenvolvimento na seara administrativa ou já
sendo conhecedor de que a utilização do referido expediente será infrutífera,
poderá o particular socorrer diretamente do Poder Judiciário, tendo em vista o
princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição, previsto no inc.
XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Conforme se demonstrou, por fim, o
direito de utilização deste expediente, no âmbito das licitações e contratos
administrativos, foi garantido Egrégio Superior Tribunal de Justiça e
reconhecido pelo Colendo Tribunal de Contas da União, fundamental para
reverência a mais um instrumento o qual objetiva proteger direitos de
particulares no âmbito das contratações governamentais.
9.
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[1] JUNIOR,
2003, p. 471.
[2] V. art.
174 da Lei federal nº 8.112/90.
[3] JUNIOR, 2003, p. 471.
[5] Art. 87, inc. IV – “declaração de inidoneidade para licitar ou
contratar com a Administração Pública enquanto
perdurarem os motivos
determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação
perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida
sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e
após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior”
(destaques nossos) .
[6] 1.
Não há omissão na decisão que, de modo claro e suficientemente fundamentado,
concede a ordem no mandado de segurança para determinar à autoridade coatora
que aprecie o requerimento administrativo integralmente e tal como apresentado,
como pedido de revisão e, não, como
reconsideração ou recurso, quanto à adequação da sanção aplicada em
decorrência de circunstância alegadamente relevante, nos termos do artigo 65 da
Lei nº 9.784/99. (BRASIL, 2010b) (destaques nossos)
[7] Art. 2º,
parágrafo único, inc. XII da Lei federal nº 9.784/98.
[8] LXXVIII
- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[10] Nesse
sentido também salienta José Cretella Junior (2003, p 472.)
[11] Sobre o tema, ensina Lúcia Valle Figueiredo que: “Nos
procedimentos disciplinares ou sancionatórios há aplicação dos princípios do
Direito Penal: a) verdade material; b) indisponibilidade; c) impossibilidade de
reformatio in pejus; d)retroatividade
da legislação mais benigna; e) necessidade de defensor ad hoc; f) direito de estar presente aos depoimentos; duplicidade
de instância ou direito de reexame” (1994,
p. 87).
[12] A
necessidade de agir com a devida neutralidade advêm da necessidade de
observância do princípio da impessoalidade. Nesse sentido, salienta Alberto
Martins que: “(...) o Princípio da Impessoalidade, em sua aplicação à
legislação regedora dos processos
sancionatórios, impede que a Administração Pública paulista promova
perseguições em razão de desavenças pessoas ou qualquer tipo de promoção de
desígnios pessoais do administrador, que não pode, para estabelecer meros
exemplos, iniciar processos administrativos para sancionar pessoas ou empresas
para as quais não dedique sua simpatia.
O que o citado princípio
veda, portanto, é que a Administração Pública se mova por atitudes onde
preponderem a vontade do administrador público em detrimento da finalidade
legal.” (MOREIRA, 2007, p. 175)
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