Orientação Normativa/AGU nº 4, de 01.04.2009 - “A despesa sem
cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da
obrigação de indenizar nos termos do art. 59, parágrafo único, da
Lei nº 8.666, de 1993, sem prejuízo da apuração da
responsabilidade de quem lhe der causa”.
Tal orientação vem determinar à Administração Pública federal,
quando verificar que um contrato encontra-se inválido, ante a
flagrante descobertura contratual válida, que implemente o
competente pagamento, a título de indenização, nos termos do art.
59, parágrafo único do Estatuto federal Licitatório
o qual será apurado por meio de competente processo de ajuste de
contas ou justificação de despesas, sem prejuízo da apuração da
responsabilidade de quem lhe der causa.
Nesse sentido, uma despesa realizada sem a devida cobertura
contratual, como por exemplo, a realização de serviços
extraordinários, não constantes do escopo inicial do ajuste,
acréscimo quantitativos superiores aos competentes limites,
contratação verbal, gastos superiores ao valor contratado, deverá
ser devidamente paga ao particular, por meio de processo de ajustes
de contas ou justificação de despesas.
Esclareça-se que a condição exigida pelo parágrafo único do art.
59 da Lei federal nº 8.666/93, todavia, é apuração da boa-fé do
particular para a realização do pagamento da indenização devida.
“Afigura-se irrebatível que a indenização em favor do
particular, cujo patrimônio seja afetado por atuação indevida da
Administração Pública, depende da sua boa-fé”
Nesse sentido, se o fato que ensejou a anulação do ajuste for
imputado ao particular, ou seja, se no caso concreto o ato que
maculou a legalidade da contratação teve a sua participação, a
indenização será descabida. Ilustrando nossa assertiva, o Jurista
Marcos Juruena
assevera que “Se o contratado executou o contrato (ou prorrogou a
sua execução já sem base contratual) de boa fé, para assegurar a
continuidade do serviço público, nem mesmo o art. 42 da LRF, pode
ensejar o não pagamento da despesa pelo sucessor.”
De conseguinte, extrai-se do raciocínio acima estabelecido que a
indenização pelos serviços prestados pelo particular no âmbito de
um contrato administrativo inválido não é automática, devendo ser
apurado a boa-fé do particular além da conclusão do competente
processo administrativo que apurará a monta devida.
Acerca
dos limites da indenização, ou seja, o quatum debeator,
observa-se que a doutrina (que parte se mantém silente sobre o tema)
não é uníssona em relação à possibilidade do particular ser
ressarcido integralmente pela execução do objeto, recebendo, neste
caso, alem do custo despendido, a remuneração do capital investido,
ou seja, o seu lucro. Entendendo que a indenização do particular
deve ser composta pelo efetivo ganho, ou seja, ou o lucro, com certos
limites, assevera o jurista Marcos Juruena,
in verbis:
“Polêmico,
no entanto, é o valor da indenização. Entendemos que deve ela
levar em conta o efetivo ganho da Administração e o prejuízo do
particular, que inclui, pois, a sua margem de lucro. Tal não
é a conclusão adotada pelo Estado do Rio de Janeiro, que, calcado
no pronunciamento do Procurador do Estado Alexandre Santos Aragão,
entende que só devem ser ressarcidos os custos do contratado, que
caracterizam o seu empobrecimento imputável à Administração. Não
admite, pois, a inclusão de qualquer margem de lucro na indenização,
que não seria um desfalque ou perda material.
Data
venia, ousamos discordar por entender que a ninguém é dado
causar prejuízo a outrem; no caso, negar o lucro ao colaborador da
Administração, que pacientemente prestou seus esforços em situação
de emergência (e só nestas admite-se o termo de ajuste), é
impor-lhe trabalhar de graça, violando o princípio da livre
iniciativa”
Assim,
também entende o jurista mineiro Carlos Pinto Coelho Motta, in
verbis:
“O
artigo em pauta suscita o acautelamento, sobretudo em face do
princípio da estabilidade dos contratos. Concordo plenamente com o
Professor Justen Filho: o parágrafo do art. 59 será
inconstitucional se restringir o direto do contrato à ampla
indenização.”
E o
jurista Marçal Justen Filho,
in verbis:
“É
inconstitucional a restrição imposta no parágrafo único do art.
59. A Administração tem o deve de indenizar o contratado não
apenas ‘pelo que este houver executado até a data em ela for
executada’. O particular tem direito de ser indenizado amplamente
pelas perdas e danos sofridos. Indenizar apenas o que ele tiver
executado significaria restringir o ressarcimento apenas de uma parte
dos danos emergentes, o que conflita com o art. 37, §6º da CF/88.
O
Estado terá de indenizar o particular por todos os danos e pelo
lucro que a ele adviria se o contrato fosse válido e fosse
integralmente executado ”
Arrematando
o tema, preleciona o Ministro do Eg. Tribunal de Contas da União
Benjamim Zymler,
in verbis:
“Frise-se
que esse parágrafo único refere-se ao deve de indenizar; não ao
dever de remunerar. Assim sendo, o contratado terá o direito ao
pagamento de importância correspondente apenas ao custo do que
executou excluída a parcela remuneratória, visando evitar o
enriquecimento sem causa do Poder Público. Por outro lado, se ficar
demonstrada a culpa exclusiva da Administração, o contratado fará
jus ao pagamento do preço integral (custo mais remuneração) do que
houver sido executado”
Contrário
ao pagamento do lucro é o entendimento do jurista Jessé Torres
Pereira Junior,
in verbis:
“Frise-se
que o parágrafo alude a ‘dever de indenizar’ e, não, a dever de
remunerar. Entende-se por indenizar o pagamento tão só do custo do
que foi executado pelo contratado, excluída a parcela remuneratória
que compõe o preços avençado. A satisfação do custo da prestação
afasta o enriquecimento ilícito da Administração; a exclusão do
valor remuneratório acompanha o caráter de sanção inerente à
nulidade.
Ordinariamente,
haverá presunção de concorrência de culpas na geração do vício
apenado com nulidade, já que, em matéria de contrato, o encontro de
vontades inclui o dever, para ambas as partes, de examinar as
cláusulas e condições do que estão a contratar, sendo, em
princípio, inescusável para ambas a presença do vício
Excepcionalmente,
demonstrada a culpa exclusiva da Administração Pública, o
contratado terá o direito ao pagamento do preço integral (custo
mais remuneração) do que houver executado”
E como
podemos acima verificar também é essa a opinião de Alexandre dos
Santos Aragão,
que salienta, in verbis:
“Entendemos,
no entanto, que a Administração Pública deve ao prestador de
serviços apenas os danos emergentes, ou seja, o preço de custo, com
os acréscimos legais, excluídos eventuais lucros cessantes, lucros
esse que auferiria em situação de normalidade jurídica, isto é,
se a obrigação da Administração Pública em efetuar os pagamentos
adviesse de contrato, e não do enriquecimento sem causa.”
Já
para o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Eg. Tribunal
de Contas da União, Dr. Lucas Rocha Furtado,
o pagamento deve ser arbitrado pela Administração, não restando
cristalino se o pagamento da indenização efetivamente será
composto pelo lucro. Vejamos:
“Na
hipótese de anulação, ao contrário, ainda que o art. 59 determine
que a Administração somente deva ressarcir prejuízos sofridos pelo
contratado se o vício que resultou na declaração de nulidade não
lhe pode ser imputado, a Administração não estará, é evidente,
desonerada da obrigação de indenizar pelo que tenha sido
efetivamente executado. Essa indenização, no entanto, será obtida
de acordo com valores arbitrados pela Administração e não
necessariamente deverão ser respeitados os valores constantes no
contrato, haja vista não se puder esperar efeito válido de contrato
nulo”
Para nós, o disposto no art. 59, parágrafo único, deve
compatibilizar-se como o mandamento constitucional insculpido no art.
37, §6º da Constituição Federal de 1988, que estabelece que a
responsabilidade do Estado é objetiva em relação aos atos
praticados pelos agentes públicos em desacordo com a Lei e que
causarem danos a terceiros, in casu, contratantes, sob pena de
subverter a ordem constitucional, como acima já foi salientado.
Assim, o pagamento na integralidade deve ocorrer.
Nesse sentido, de nada vale o dispositivo legal infraconstitucional
supramencionado limitar o pagamento apenas aos custos efetivos
despendidos na execução do objeto, não realizando a
contraprestação relacionada ao lucro do particular, uma vez que o
princípio da responsabilidade objetiva do Estado determina a
reparação integral dos prejuízos sofridos. Assim, não poderia a
Administração agir de outra forma, sob pena de flagrante
inconstitucionalidade.
Assim, suportar o prejuízo, em face do não pagamento do lucro ao
particular que executou o devido objeto, atendendo a necessidade
administrativa, não se compatibiliza pela nova ordem jurídica. De
conseguinte, seria admitir a irresponsabilidade da Administração,
que dominava o passado limitar o pagamento apenas à parcela dos
custos efetivamente despendido. Por ser oportuno, esclareça-se que o
tema já foi enfrentado pelos tribunais superiores, cujo Acórdão
merece reprodução, in verbis:
3. Acudindo o terceiro de boa-fé aos reclamos do Estado e investindo
em prol dos desígnios deste, a anulação do contrato administrativo
quando o contratado realizou gastos relativos à avença, implica no
dever do seu ressarcimento pela Administração. Princípio
consagrado na novel legislação de licitação (art. 59, Parágrafo
Único, da Lei n.º 8.666/93).
4. Os pagamentos parciais revelam o reconhecimento da legitimidade do
débito.
5. À luz da prova dos autos, em essência, a contratada coadjuvou o
Estado-Soberano numa operação de defesa do produto nacional, cujo
contrato de sindicabilidade restrita pelo STJ (Súmula n.º 05),
manteve-se hígido, posto não invalidado por ação autônoma
própria.
6. Indenizabilidade decorrente da presunção de legalidade e
legitimidade dos atos administrativos, gerando a confiabilidade em
contratar com a entidade estatal.
7. O dever de a Pessoa Jurídica de Direito Público indenizar o
contratado pelas despesas advindas do adimplemento da avença, ainda
que eivada de vícios, decorre da Responsabilidade Civil do Estado,
consagrada constitucionalmente no art. 37, da CF.
8. Deveras, "... se o ato administrativo era inválido, isto
significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem
jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, ipso fato, proclamando
que fora autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo
que o agente violador do direito, confessando-se tal, se livrasse de
quaisquer ônus que decorreriam do ato e lançasse sobre as costas
alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí
decorreriam, locupletando-se, ainda, à custa de que, não tendo
concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé. Acresce que,
notoriamente, os atos administrativos gozam de presunção de
legitimidade. Donde quem atuou arrimado neles, salvo se estava de
má-fé (vício que se pode provar, mas não pressupor liminarmente),
tem o direito de esperar que tais atos se revistam de um mínimo de
seriedade. Este mínimo consiste em não serem causas potenciais de
fraude ao patrimônio de quem neles confiou -como, de resto, teria de
confiar." (Celso Antônio Bandeira de Mello, in "Curso de
Direito Administrativo", Malheiros, 14ª ed., 2002, p. 422-423).
9. Assim, somente se comprovada a má-fé do contratado, uma vez que
veda-se-lhe sua presunção, restaria excluída a responsabilidade da
União em efetivar o pagamento relativo à "Operação
Patrícia", matéria cuja análise é insindicável por esta
Corte Superior, ante a incidência do verbete sumular n.º 07, tanto
mais quando o Tribunal de origem, com cognição fática plena,
afastou a sua ocorrência. (STJ - REsp 547196 DF 2003/0019993-2)
"A
administração pública pode anular seus próprios atos, quando
inquinados de ilegalidade (Súmula 473); mas, se a atividade do
agente público acarretou danos patrimoniais ou morais a outrem –
salvo culpa exclusiva dele, eles deverão ser ressarcidos, de acordo
com o disposto no art. 37, § 6º, da CF." (STF - RE 460.881,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-4-2006, Primeira
Turma, DJ de 12-5-2006.)
Após a
devida instauração pela autoridade competente, o referido processo
administrativo de ajustes de contas, deve, por óbvio, estar
devidamente instruído com a documentação hábil a demonstrar a
situação fática a fim de identificar e quantificar o objeto
executado, como, por exemplo, prova de execução do objeto e do
recebimento.
No entanto, saliente-se que essa irregularidade, além de ensejar a
necessária instauração de processo administrativo de ajustes de
contas ou justificação de despesas, pode implicar também na
apuração e oportuna responsabilização dos agentes públicos que,
ao menos em tese, infringiram o dever funcional de observar as normas
legais e regulamentares, conforme estabelece o art. 82 do Estatuto
federal Licitatório c/c inc. III do art. 116 do 8.112/90.
Sobre o tema, versa novamente Jessé Torres Pereira Junior,
in verbis:
“A parte final do parágrafo único impõe à Administração o
dever de apurar a responsabilidade quanto à acusação do vício
fatal. Promover responsabilidade, para usar-se o verbo da lei,
significa atuar em três esferas: responsabilidade administrativa (de
que poderá resultar a aplicação de penalidades a servidores);
responsabilidade pena (mediante remessa de peças ao Ministério
Público, para que este, caso convença-se de que há indícios do
crime, deflagre a ação penal cabível); e a responsabilidade civil
(ajuizamento de ação cabível para postular a reparação de danos
acaso sofridos pela Administração)”
Por outro lado, cremos que a orientação em destaque reafirmar o
princípio geral do Direito Civil que veda o locupletamento sem
causa, o qual está devidamente insculpido no art. 884 do Código
Civil Brasileiro,
que se consubstancia em um “ganho não proveniente de causa justa.
Aumento do patrimônio de alguém sem justa causa, ou sem qualquer
fundamento jurídico, em detrimento do de outrem.”,
o que acaba por asseverar a aplicabilidade do art. 59, parágrafo
único, da Lei nº 8.666, de 1993, uma vez o princípio ventilado não
é afastado nas relações contratuais entre a Administração
Pública e os particulares. Nesse sentido, alías, salienta Celso
Antonio Bandeira de Mello,
in verbis:
“Na esfera do Direito Administrativo, por vezes, uma atuação do
administrado, do mesmo passo que lhe causa um empobrecimento, vem a
produzir um enriquecimento patrimonial em favor do Poder Público,
faltando, todavia, um fundamento jurídico prestante que sirva para
justificar tal resultado – o qual, portanto, significa um
locupletamento do Poder Público a expensas de outrem.”