Orientação Normativa/AGU nº 13, de 01.04.2009 - “Empresa
pública ou sociedade de economia mista que exerça atividade
econômica não se enquadra como órgão ou entidade que integra a
Administração Pública, para os fins de dispensa de licitação com
fundamento no inc. VIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993”. 1
Analisando
a referida orientação normativa, além dos demais requisitos
impostos pelo inc. VIII do art. 24 do Estatuto federal Licitatório,
sendo eles, conforme magistério de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes2:
“a) a contratante seja pessoa jurídica de direito público
interno; b) o contratado seja órgão ou entidade que integre a
Administração Pública; c) o contratado tenha sido criado para o
fim específico do objeto pretendido pela Administração
Contratante; d) A criação do órgão ou entidade contratada tenha
ocorrido antes da vigência da Lei nº 8.666/63; e) O preço deve
ser compatível com o praticado no mercado”, quando no pólo
passivo desta contratação direta figurar uma empresa governamental
(sociedade de economia mista ou empresa pública) tal não poderá
exercer atividade econômica.3
Isso porque que tais
entidades governamentais, exercentes de atividade econômica, não se
enquadram no requisito, “criada para o fim específico”
estabelecido no permissivo supramencionado, o qual entende a doutrina
que foram criadas com a finalidade específica de atender apenas
demanda da Administração Pública, dando suporte à atuação
administrativa o que não é o caso destas pessoas jurídicas
apontadas, na medida em prestam serviços ou vendem os bens que
produzem também para particulares.
Nesse sentido claramente
salienta a doutrina, prelecionada novamente por Diogenes Gasparini4,
in
verbis:
“A validade dessas
aquisições somente se verificará se a contratação com órgão ou
entidade que integra uma dessas pessoas públicas, ainda assim, se
criada antes do Estatuto federal Licitatório para esse fim
especifico, ou seja, para fornecer-lhe bens e lhes prestar serviços.
De toda sorte que se prestar serviços ou produzir bens para outrem
ou se não for integrante da entidade que deseja seus bens e
serviços, não se enquadra na hipótese examinada, e a licitação
será indispensável”
Além do mais, esclareça-se
que no mercado correlato onde tais entidades governamentais
exploradoras de atividade econômica atuam, como por exemplo, na
atividade bancária, serviços gráficos5,
aquisição e distribuição de combustíveis,6
7
serviços postais8
(excetos atividades monopolizadas), há flagrante viabilidade de
competição. Assim, inexistindo privilégios para tais entidades,
competindo em pé de igualdade com os demais particulares no mercado
correlato, a licitação, como regra, se imporá.
Por outro enfoque,
admitir-se que tais as empresas públicas e sociedades de economia
mista sejam contratadas diretamente, com arrimo no dispositivo
estudado, ofenderia o art. 173 da Constituição Federal, que
restringe a participação do Poder Público na economia e
estabelece, ainda, o princípio da livre iniciativa. Assim, tais
pessoas jurídicas, que concorrem com o mercado, não podem deter
privilégios na ocasião em que contratam com a Administração
Pública, como claramente estabelece o seu §2º. 9
“Se o inc. VIII
pretendesse autorizar a contratação direta no âmbito das
atividades econômicas, estaria caracterizada inconstitucionalidade.
É que as entidades exercentes de atividade econômicas, estão
disciplinadas pelo art. 173, §1º da CF/88. Daí decorre a submissão
ao mesmo regime reservado para os particulares. Não é permitido
qualquer privilégio nas contratações dessas entidades”
Nesse
sentido, fazemos uso da lição proposta pelo jurista José Eduardo
Martins Cardoso, que acertadamente assevera que, in
verbis:
“Sendo
assim, parece-nos rigorosamente correto afirmar que as empresa
públicas, as sociedades de economia jamais poderão receber da
legislação infraconstitucional qualquer tipo de tratamento
privilegiado que as coloque em patamar jurídico diferenciado daquele
em que estão situadas as empresas comuns, de modo a que possam via a
receber qualquer favorecimento especial na sua atuação. Seria
inconstitucional. Do mesmo modo, haverá de ser ofensivo à nossa Lei
Maior o estabelecimento de quaisquer deveres ou ônus de atuação
que impeçam sua atuação no mercado nos moldes em que uma empresa
privada faria. Deverão atuar em pé de igualdade, vedados
privilégios e o estabelecimento de ônus de qualquer natureza que
impliquem forma de desigualdade jurídica de tratamento ao longo das
suas respectivas atuações no campo econômico.” 11
Sobre o tema, ressalte que
o Tribunal de Contas da União nessa mesma forma,
in verbis:
"1. Determinar à
Delegacia Federal de Agricultura/AM que: 1.7. observe, em especial, o
inciso VIII, do art. 24, da Lei n.º 8.666/93 e o § 2.º do art. 173
da Constituição Federal, de forma a aplicar a dispensa de licitação
apenas às entidades integrantes da administração pública que
tenham como finalidade específica a prestação de serviços
públicos ou a prestação de serviços de apoio, bem como às
empresas públicas e sociedades de economia mista que não
desempenhem atividade econômica, sujeita à livre concorrência,
pois estas não devem possuir privilégios que não sejam extensíveis
às empresas da iniciativa privada;". (Tribunal de Contas da
União - Acórdão n°2.203/2005-1ª Câmara)
Assim, com arrimo no inc.
VIII do art. 24 do Estatuto federal Licitatório somente seria lícita
a contratação de empresas governamentais prestadoras de serviço
público, que na preleção de Celso Antonio Bandeira de Mello12,
“é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade
material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas
fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como
pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça
as vezes, sob regime de Direito Público.13
1
REFERÊNCIA: art. 173, § 1º, inc. II, Constituição Federal; art.
2º e parágrafo único, art. 24, inc. VIII, da Lei nº 8.666, de
1993; Acórdãos TCU 2203/2005-Primeira Câmara, 2063/2005-Plenário,
2399/2006-Plenário.
3
Conceitua José Eduardo Martins Cardoso, aproveitando-se do conceito
do Celso Antonio Bandeira de Mello, que “por atividade
econômica – diz o Mestre – devemos entender ‘atividade
próprio dos particulares; atividade privada, portanto, e bem por
isso, insuscetível de ser qualificada por serviço público’”
(Cf in Curso de
Direito Administrativo Economico,
Ano, São Paulo, Malheiros, p. 778)
4
Idem, p. 534.
5
TCU, Acórdão nº 576/2009- Plenário - "1.5.1. Determinar à
Infraero que, nas próximas contratações de "selos adesivos
de controle de embarque de passageiros", abstenha-se de
contratar a Casa da Moeda do Brasil por meio da dispensa de
licitação de que trata o art. 24, VIII, da Lei nº 8.666/93, e
promova o correspondente procedimento licitatório, em obediência
ao art. 2º da referida lei;"
6
TCE/SP, SÚMULA Nº 12 – “Depende de licitação a
aquisição de combustíveis e derivados de petróleo pelos órgãos
e entidades da administração pública estadual e municipal, direta
e indireta, aí incluídas as fundações instituídas pelo poder
público e empresas sob seu controle, não podendo eventual dispensa
fundar-se no inciso VIII do artigo 24 da Lei nº 8.666, de 21 de
junho de 1993.”
7
TCU, Acórdão 2063/2005 - Plenário- "6. Elucidativo a esse
respeito é, ainda, o seguinte trecho do Parecer do Ministério
Público junto ao TCU no presente processo: ‘Convém destacar que
o art. 173, § 1º, da Constituição, dispõe que empresas públicas
e sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime jurídico
próprio das empresas privadas e, portanto, não podem gozar de
privilégios nas contratações.”
Admitindo-se como
correta a situação examinada (contratação direta),
desconsiderar-se-ia um dos princípios maiores da República, qual
seja, o da livre concorrência.
A sociedade de economia
mista em questão (Petrobras Distribuidora S.A.) não foi criada com
o fim exclusivo de promover fornecimento de combustível à
Administração Pública, faltando assim o quesito necessário à
aplicação da norma do art. 24, inciso VIII, da Lei nº 8.666/93."
8
TCU, Acórdão 6931/2009 - Primeira Câmara – “1. Os serviços
prestados pelos Correios, em caráter complementar aos previstos na
Lei 6.538/1978, não integram o serviço postal, explorado em regime
de monopólio pela União (CF, art. 21, X). 2. Apenas as entidades
que prestam serviços públicos de suporte à Administração
Pública, criadas para esse fim específico, podem ser contratadas
com dispensa de licitação, nos termos do art. 24, inciso VIII, da
Lei 8.666/1993.
3. As empresas públicas
e sociedades de economia mista que se dedicam à exploração de
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou
de prestação de serviços sujeitam-se ao regime jurídico das
empresas privadas (CF, 173), em consonância com os princípios
constitucionais da livre concorrência e da isonomia, e não podem
ser contratadas com dispensa de licitação fundamentada no art. 24,
inciso VIII, da Lei 8.666/1993”
9
Oportunamente, assevera José Afonso da Silva que “Apesar da
previsão de que o estatuto deve dispor sobre a sujeição das
empresas estatais ao regime jurídico das empresas privadas,
inclusive quanto aos seus diretos e obrigações tributárias, a
Constituição ainda acrescenta a direta e expressa proibição de
gozarem de privilégios fiscais não extensíveis ao setor privado.
Sem num caso contreto, isso acontecer, as empresas discriminadas
podem recorrer a judiciários.” (cf. in Comentário contextual
da Constituição, 5º ed., São Paulo, Ed. Malheiros, 2008, p.
719)
12
Idem, p. 652
13
TCU – Ac. 615/2005 – 13 As previsões de dispensa de licitação
constantes dos incisos VIII e XVI do art. 24 da Lei 8.666/93 não se
referem às entidades que desenvolvam atividade econômica, mas
tão-somente às prestadoras de serviço público.
Expressivamente
elucidador, quanto a esse aspecto, é o pronunciamento do Prof. ‘
Justen Filho, em sua obra Comentários à Lei de Licitações e
Contratos Administrativos. O doutrinador, ao considerar que a mesma
disciplina do inciso VIII aplica-se integralmente ao inciso XVI,
afirma que “a regra não dá guarida a contratações da
Administração Pública com entidades administrativas que
desempenhem atividade econômica em sentido estrito. Se o inc. VIII
pretendesse autorizar contratação direta no âmbito de atividades
econômicas, estaria caracterizada a inconstitucionalidade. É que
as entidades exercentes de atividade econômica estão subordinadas
ao disposto no art. 173, § 1º, da CF/88. Daí decorre a submissão
ao mesmo regime reservado aos particulares. Não é permitido
qualquer privilégio nas contratações dessas entidades. Logo, não
poderiam ter garantia de contratar direta e preferencialmente com as
pessoas de direito público. Isso seria assegurar-lhes regime
incompatível com o princípio da isonomia” (Comentários à Lei
de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª ed., São Paulo:
Dialética, 2000. p. 257).
14. O requisito legal,
contudo, não se resume a esse ponto. Além de serem prestadoras de
serviço público, as entidades, para poderem enquadrar-se no inciso
XVI do art. 24 da Lei 8.666/93, deverão haver sido originariamente
instituídas com o objetivo de prestar os serviços objeto de
contratação para a Administração Pública direta da mesma esfera
de governo. Quanto a isso, assevera a Profª. Maria Sylvia Zanella
Di Pietro: “Esta hipótese veio permitir a dispensa de licitação
nas contratações com as entidades abrangidas no conceito do artigo
6º, inciso XI, desde que estas tenham sido criadas com o objetivo
(inserido em sua lei instituidora) de prestar os serviços indicados
no inciso XVI à pessoa jurídica de direito público interno”
(Direito Administrativo, 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 310).
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